Sao Camilo

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OLHAR ESPISCOPAL - DOM MILTON - II

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OLHAR EPISCOPAL - EDIÇÃO 14
 A PRIORIDADE DA ORAÇÃO


Por dom Milton Kenan Junior


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No final de mais um ano é justo perguntar-se sobre as metas atingidas, as dificuldades encontradas e o caminho percorrido e a percorrer para realizar os projetos e alcançar os objetivos que nos propomos.

É importante que este trabalho se faça a nível pessoal, ou seja, que cada um tenha a capacidade, ao aproximar-se do final de mais um ano, de se perguntar: Como vivi? O que tenho buscado? Quais os meios tenho utilizado para realizar os ideais da minha vida? Mas, é tão importante que este exercício seja feito também em nível comunitário, que cada comunidade se interrogue sobre sua caminhada, os objetivos pastorais que definiu e como os têm alcançado, os meios que utiliza para cumprir a sua missão etc.

Nesse sentido, será importante que nós nos interroguemos sobre as nossas motivações, ou seja, os princípios que norteiam nossa vida e nossa ação.

Dentro dessa perspectiva, penso que será oportuno nos perguntarmos sobre a qualidade de nosso relacionamento com Deus e, por consequência, de nossa oração.

No início do novo milênio, o Beato João Paulo II, na sua “Carta Novo Millennio Ineunte” (No início do Novo Milênio) propunha à Igreja no limiar do novo milênio a “pedagogia da santidade”, como também falou da “arte da oração”. Assim se expressava o Beato João Paulo II: “Não será porventura um ‘sinal dos tempos’ que se verifique hoje, não obstante os vastos processos de secularização, uma generalizada exigência de espiritualidade, que em grande parte se exprime precisamente numa renovada carência de oração?” (n. 33).

Mais adiante, na mesma carta, o Beato João Paulo II diz que se não se considera o primado da graça, a necessidade da oração, “não nos podemos maravilhar se os projetos pastorais se destinam a falir e deixam na alma um deprimente sentido de frustração. Repete-se então conosco aquela experiência dos discípulos narrada no episódio evangélico da pesca milagrosa: ‘Trabalhamos durante toda a noite e nada apanhamos’ (Lc 5,5). Esse é o momento da fé, da oração, do diálogo com Deus, para abrir o coração à onda da graça e deixar a palavra de Cristo passar por nós com toda a sua força: Duc in altum!” (n.38).

Como se vê, o que dá sustentação e garante a “eficácia” de nossas iniciativas não são apenas os projetos que elaboramos, os recursos que dispomos, os meios que utilizamos, mas, sobretudo, o tempo que dedicamos à oração, à escuta da Palavra, a meditação que fazemos do Evangelho e sua aplicação na nossa vida.

Hoje, certamente para muitos, Jesus continua a fazer a mesma censura que fez a Marta que o hospedara em sua casa: “Marta, Marta, andas muito inquieta e te preocupas com muitas coisas; no entanto, uma só coisa é necessária; Maria escolheu a boa parte, que lhe não será tirada”. (Lc 10, 41-42)

O que fez Maria? O que ela escolheu? Escolheu permanecer aos pés do Mestre, escutando-o, deixando-se iluminar pela sua Palavra, para a partir daí dedicar-se de corpo e alma aos seus afazeres.

Semelhante foi também a experiência dos discípulos de Emaús (cf. Lc 24,13-35). Retornavam transtornados de Jerusalém; estavam aflitos, abatidos, frustrados e cansados. Bastou o Senhor aproximar-se deles e dirigir-lhes sua Palavra e seus corações ardiam e, reconhecendo Jesus no partir do pão, voltaram às pressas a Jerusalém, para anunciar aos apóstolos a alegria do encontro com Jesus Ressuscitado!

O Beato Papa João Paulo II ainda na Carta “Novo Millennio Ineunte”, observa: “Mas a oração, como bem sabemos, não se pode dar por suposta; é necessário aprender a rezar, voltando sempre de novo a conhecer essa arte dos próprios lábios do divino Mestre, como os primeiros discípulos: ‘Senhor, ensina-nos a orar’ (Lc 11,1). Na oração, desenrola-se aquele diálogo com Jesus que faz de nós seus amigos íntimos: ‘Permanecei em mim e eu permanecerei em vós’ (Jo 15,4). Essa reciprocidade constitui precisamente a substância, a alma da vida cristã, e é condição de toda a vida pastoral autêntica.” (n. 32).

Precisamos hoje aprender a “não dar por suposta” a oração, ou seja, convencer-nos que é sempre necessário aprender a rezar. Por mais que tenhamos avançado no caminho da intimidade com Deus, por mais que estejamos em contato com a Palavra de Deus, com os Sacramentos, a vida litúrgica e o ensinamento da Igreja, precisamos nos convencer que somos sempre aprendizes na oração; precisamos sempre reservar tempo, servir-se de uma boa leitura, dedicar-nos a oração silenciosa diante do Sacrário, para podermos fazer a experiência do encontro com o Senhor que fala no silêncio do coração.

Santa Teresa de Ávila, Doutora da Igreja nos caminhos da oração, afirmava: “Quando o coração reza, Deus atende!”. Desta afirmação se aprende que é preciso rezar com o coração, ou melhor, levar o coração à oração para que nossa oração seja autêntica e corresponda aos desígnios de Deus. Os salmistas são depois de Jesus os que melhor expressam isso para nós: diante de Deus não escondem suas aflições, suas lutas, sua pobreza e miséria, sua esperança ilimitada. Rezam o que vivem, e vivem o que rezam! Na oração, deixam o coração extravasar diante de Deus!

Diante da tentação daqueles que afirmam que a vida é oração, devemos responder que sem oração a vida se esvazia, e a fé se enfraquece; tudo seu reduz ao próprio esforço, correndo o risco de fazer só o que convém, deixando pouca margem à ação de Deus e a aceitação da Sua Vontade!

Nos nossos projetos pessoais e programas pastorais não subestimemos a oração! Ao contrário, façamos dela prioridade e não tenhamos medo de nos lançar numa verdadeira pastoral da oração. A oração não resolve de imediato nossos problemas, mas nos dá força e serenidade para enfrentá-los! A oração não se contabiliza, mas permite olhar a nossa vida com um novo olhar, o olhar de Deus que não se cansa de nos esperar, para dar-nos a luz e a alegria necessárias para avançarmos e alcançarmos novas metas e atingirmos nossos ideais.

Dom Milton Kenan Junior
Bispo Auxiliar de São Paulo
Vigário Episcopal para a Região Brasilândia




OLHAR EPISCOPAL - EDIÇÃO 13

VAMOS COMEMORAR O DIA DA CRIANÇA!!! COMO???




por dom Milton Kenan Junior

    

No último dia 27 de agosto, em diversas partes do Brasil foram lembrados e reverenciados dois grandes bispos: Dom Hélder Câmara e Dom Luciano Mendes de Almeida; cujos nomes estão intimamente ligados à luta pela democracia e a defesa da justiça, em tempos difíceis, nas terras brasileiras.

Dom Luciano, por muitos anos Bispo Auxiliar de São Paulo e depois Arcebispo de Mariana-MG, deixou à Igreja do Brasil um enorme legado de fé, de compromisso com os mais pobres e testemunho de esperança. Viveu seu episcopado na esteira dos grandes padres da Igreja, que souberam unir a transmissão da fé, a defesa da Verdade e a paixão pela Justiça!

Entretanto, é sempre importante ressaltar que entre as muitas causas que Dom Luciano abraçou, com amor de pai e pastor foi a causa das crianças e adolescentes em situação de desamparo e risco, vítimas indefesas de um mundo frio e desigual, incapaz de reconhecer e respeitar a vida que nasce.

Ao iniciar o mês de outubro, há um grande movimento para a comemoração do Dia da Criança, que coincidentemente (ou providencialmente) ocorre no Dia da Padroeira do Brasil. É tempo de nos perguntarmos: onde estão as nossas crianças? Mais do que deixar-se arrastar pela onda avassaladora da propaganda comercial que visa a cada ano superar metas e bater recordes de venda, é momento de olhar para as crianças e adolescentes colocados em situação de risco, expostos à opinião pública muitas vezes manipulada pelas notícias rápidas dos telejornais que, se não distorcem a verdade dos fatos, nem sempre dizem toda a verdade.

Hoje, não é difícil ler nas entrelinhas das notícias o clamor de centenas de milhares de jovens, crianças e adolescentes, vítimas da violência, do tráfico, do crime organizado, sem acesso à escola com qualidade, ao lazer e divertimento, vivendo em condições precárias, muitos deles obrigados a enveredar pelo caminho do crime e da prostituição como forma de superar a fome e ludibriar a aflição de suas famílias desprovidas de tudo. O Documento de Aparecida alerta: “A situação precária e a violência familiar com frequência obriga muitos meninos e meninas a procurarem recursos econômicos na rua para sua sobrevivência pessoal e familiar, expondo-se, também, a graves riscos morais e humanos” (Dap 409).

No clamor silencioso e angustiante em que vivem centenas de milhares de meninos e meninas que cumprem medidas socioeducativas, privados de liberdade em instituições educacionais - muitos deles vítimas de maus tratos, espancamentos, esquecidos nos abrigos; outros, ainda, expostos pela mídia à condenação da opinião pública, como foi o caso das meninas da Vila Mariana, noticiado nestes últimos meses - está a voz do Cristo que sofre nos pequeninos.

É em vista da difícil realidade que vivem estas crianças e adolescentes que as ações da Pastoral da Criança e da Pastoral do Menor, tendo como referência necessária e absoluta o Estatuto da Criança e do Adolescente (neste ano comemora-se os 20 anos da sua aprovação), nos enchem de esperança.

Na busca da transformação dessa realidade e com o objetivo de garantir o Direito da Criança e do Adolescente, vale ressaltar a iniciativa de toda a Arquidiocese de São Paulo no processo de eleição para os Conselhos Tutelares, que se realizará no próximo dia 16 de outubro, na cidade de São Paulo, e que nos leva a vislumbrar um novo horizonte para as nossas crianças!

Graças ao apoio da Equipe de Articulação em Defesa da Criança e Adolescente, constituída por membros do CLASP, e das Pastorais da Criança, do Menor, da Juventude, e Fé e Política; em parceria com a Diocese de Santo Amaro, foram realizados, nestes últimos meses: encontros com pré-candidatos; fórum de debate e discussão com a sociedade civil; folder explicativo; o encaminhamento das listas de locais de votação e candidatos classificados por regiões episcopais, para todas as paróquias da Arquidiocese, a fim de facilitar o acesso aos locais e a identificação dos candidatos ligados às comunidades católicas. Todas essas articulações revelam o compromisso efetivo da Igreja que acredita no futuro para as crianças do Brasil!

Na cidade de São Paulo, neste ano de 2011, o Dia da Criança desdobra-se no dia 12, com todas as suas comemorações e, no dia 16, com a eleição dos membros dos Conselhos Tutelares, compromisso de todos com as crianças e adolescentes, os mais expostos e frágeis, necessitados do socorro da sociedade.

Destaco, ainda, a iniciativa da Cáritas e da Pastoral do Menor da Arquidiocese de São Paulo com a Campanha “Solidariedade África – O Amor não tem fronteiras”. Uma campanha que visa a educação para a solidariedade, em que as crianças paulistanas das comunidades, escolas católicas e entidades sociais de nossas paróquias demonstram sua sensibilidade para com as crianças da Somália e países da Região Noroeste da África, assolados pela seca e pela fome, onde milhares de pessoas morrem diariamente.

Gestos como esses demonstram que a comemoração do Dia da Criança, para muitos, não se limita numa única data, mas sim a todos os dias do ano, através de gestos pequenos à primeira vista, mas carregados de significado e consequências.

Vamos comemorar sim o Dia da Criança! Lembrando que milhares de crianças esperam por nossa solidariedade, e nosso compromisso em construir um mundo de justiça e paz.
  


Dom Milton Kenan Junior

Bispo Auxiliar de São Paulo

Vigário Episcopal para a Região Brasilândia

 

 

DOM MILTON


 

OLHAR EPISCOPAL - EDIÇÃO 12 ÊXODO: UMA EXPERIÊNCIA DE FÉ (Ex 15,22 - 18,27) por dom Milton Kenan Junior




Durante este mês de Setembro, muitas comunidades espalhadas pelo Brasil a fora, tomam em suas mãos alguns capítulos do Livro do Êxodo (15,22 - 18,27), para refletir e rezar sobre sua própria história e caminhada.

Na verdade, a experiência de Israel, que saindo da dura servidão no Egito percorre o deserto rumo a Terra Prometida, não é significativa apenas para os judeus, mas também para nós, cristãos.

Na leitura do Livro do Êxodo, uma primeira consideração importante é o fato de que unido ao desejo de alcançar a Terra Prometida, onde Israel poderá finalmente gozar de liberdade e independência, está o desejo de “servir a Deus”. A ordem que Deus transmite ao Faraó por meio de Moisés é: “Deixai partir o meu povo! Para que me sirva no deserto!” (Ex 7,16). Ao todo são quatro vezes que essas palavras se repetem (Ex 7,26; 9,1; 9,13; 10,3), demonstrando a importância do argumento.

O que se tem em vista não é somente a conquista da Terra Prometida, mas a possibilidade de servir a Deus como Ele quer ser servido. Israel parte, não para ser um povo como um outro qualquer, mas para servir a Deus. A meta que quer alcançar é a montanha de Deus, até então desconhecida, para nela poder servir o Senhor.

Alguém poderia dizer que esse argumento fora utilizado por Moisés como estratégia para tirar o seu povo da dominação de Israel. Mas, acompanhando a longa caminhada do povo pelo deserto compreende-se que terra e culto estão intimamente ligados. A terra sonhada e esperada por Israel será a terra destinada ao serviço do Senhor, onde o povo que nela reside poderá viver como Deus deseja, na liberdade e na justiça.

No Sinai, porém, Deus dá ao seu povo não só as cláusulas da Aliança (os dez mandamentos), mas as normas que devem reger o culto a ser-lhe oferecido (cf. Ex 20, 1-17; 24). Vida e culto estão intimamente ligados! Como diz Santo Irineu: “A glória de Deus é o homem vivo; a vida do homem significa olhar a Deus”.

Essa constatação nos faz ver que o culto que Deus deseja do seu povo não se limita a gestos rituais (embora não prescinda deles), mas envolve toda a vida. A vida vivida na fé, na liberdade e no amor é a liturgia querida de Deus para o seu povo, em razão da qual Ele lhe dá a Sua Terra.

Um segundo aspecto que merece a nossa atenção é a experiência do deserto.  No comentário que faz ao texto, na “Bíblia do Peregrino”, Luís Alonso Schökel chama atenção ao fato de que o deserto é o “lugar desamparado, que reduz o povo às necessidades elementares da subsistência e o põe à prova, para que conquiste a partir de dentro a liberdade que lhe foi dada. Tempo intermédio de dilação, para forjar a resistência e cultivar a esperança, para viver da promessa depois de ter experimentado o primeiro favor”, ao mesmo tempo: “Também essa etapa se torna padrão de futuras peregrinações por outros desertos, à conquista da liberdade e da esperança.” (p.135)

Na longa peregrinação pelo deserto, Israel é levado a reconhecer o Senhor como o protagonista da sua história. Nas muitas provas que sofre, é sempre Deus quem age e dá solução aos seus dramas: transforma a água salobra em água potável (Ex 15, 22-27), envia o maná como alimento (Ex 16), faz brotar água da rocha (Ex 17,1-7), garante a vitória sobre os seus inimigos (Ex 17, 8-16), e faz Moisés reencontrar com a sua família (Ex 18, 1-22).

Como Jetro, podemos, então, exclamar: “Bendito seja o Senhor, que vos livrou do poder dos egípcios e do Faraó. Agora sei que o Senhor é o maior de todos os deuses, pois, quando vos tratavam com arrogância, o Senhor liberta o povo do domínio egípcio.” (Ex 18,11).

No encontro de Jetro com Moisés é importante ressaltar o fato de que o que podia ter acabado num relato de viagem toma a forma de um ato litúrgico “quase como proto-eucaristia”, como observa Schökel no comentário ao texto, na Bíblia do Peregrino. Jetro é apresentado como “sacerdote de Madiã” (18,1). O Lugar é “o monte de Deus” (5), o oficiante é o próprio Jetro, que faz a memória (anamnese) de fatos como ações divinas: “tudo quanto fez Deus/o Senhor” (1.8.9); que se traduz em exultação e benção = ação de graças (Eucaristia), por “todos os benefícios...” bendito Yhwh (9-10); num sacrifício e banquete sagrado (comunhão), “na presença de Deus” (12).

Ao fazermos nós a leitura desses capítulos, o fazemos à luz do Mistério da Páscoa de Jesus Ressuscitado. Os evangelistas falam dos êxodos praticados por Jesus: quando sobe decididamente a Jerusalém a fim de sofrer a Paixão (cf. Lc 9,51) e quando entra no mistério da sua Paixão passando deste mundo para o Pai, depois de ter amado os seus até o fim (cf. Jo 13,1).

Sem retirar o valor que tem o relato do Êxodo para as comunidades que percorrem, ainda hoje, os caminhos do deserto esperando alcançar a Terra Prometida, onde a liberdade e a vida plena sejam garantidas para sempre, compreendemos que o êxodo que devemos percorrer é o mesmo que percorreu Jesus, a fim de passar com Ele, da morte para a vida!

Israel encontra-se com o Deus que o fortalece na esperança, que o educa na fé e na confiança, que espera dele um culto que seja não só rito, mas também vida, expressão da fidelidade à Aliança (cf. Ex 15, 26). Nós também encontrando-nos com Jesus, vemos que as exigências que Ele faz aos seus discípulos (Mt 5-7) não são menores daquelas que Deus dá a seu povo na caminhada do deserto, ao revelar-lhes o Reino, cuja exigência é um culto “em espírito e vida” (cf. Jo 4,23).

Na “liturgia” de Jetro não é difícil vislumbrar um anúncio e profecia da Eucaristia, memorial da Nova e Eterna Aliança.  Hoje, ao redor da mesa eucarística, fazemos também nós a experiência do encontro com o Senhor que liberta, que não dá somente água e pão para o seu povo, mas o Corpo e o Sangue do seu Filho, garantia da Páscoa definitiva, quando  Deus será tudo em todos!

Nos muitos desertos do nosso tempo, somos convidados pelas palavras do Êxodo a experimentar o Deus próximo que ouve o clamor do seu povo e vê os seus sofrimentos (Ex 3,7-9), e envia o seu Filho para ser um “novo Moisés” a conduzir-nos à Terra Prometida, da justiça e da paz!

“Existem tantas formas de deserto. Há o deserto da pobreza, o deserto da fome e da sede, o deserto do abandono, da solidão, do amor destruído. Há o deserto da obscuridão de Deus, do esvaziamento das almas que perderam a consciência da dignidade e do caminho do homem. Os desertos exteriores multiplicam-se no mundo, porque os desertos interiores tornaram-se tão amplos. Por isso, os tesouros da terra já não estão ao serviço da edificação do jardim de Deus, no qual todos podem viver, mas tornaram-se escravos dos poderes da exploração e da destruição. A Igreja no seu conjunto, e os pastores nela, como Cristo, devem pôr-se a caminho, para conduzir os homens fora do deserto, para lugares da vida, da amizade com o Filho de Deus, para aquele que dá a vida, a vida em plenitude” (BENTO XVI, Homilia, 24-04-2005).

Valem para nós as palavras de Isaías: “O deserto e o ermo se regozijarão, a estepe florescerá de alegria... Fortalecei as mãos fracas, robustecei os joelhos vacilantes. Dizei aos covardes: Sede fortes, não temais, olhai o vosso Deus, que traz a desforra, vem em pessoa, ele vos ressarcirá e vos salvará.” (Is 35,1a,3-4).

Caminhamos no deserto, confiantes que um dia ele se transformará em jardim, certos de que toda amargura cederá lugar à verdadeira alegria.


Dom Milton Kenan Junior
Bispo Auxiliar de São Paulo
Vigário Episcopal para a Região Brasilândia




OLHAR EPISCOPAL - EDIÇÃO 11
FAMÍLIA, PESSOA E SOCIEDADE
por dom Milton Kenan Junior
Estamos em plena Semana Nacional da Família (SNF), celebrada pela Igreja do Brasil. Quantas comunidades, constituídas por milhares de famílias, reúnem-se para refletir, rezar, pensar a vida e a missão da família, diante dos desafios que a realidade em que vive lhe impõe.

O tema “Família, Pessoa e Sociedade” da SNF 2011 sugere alguns aspectos que merecem nossa atenção e nossa abordagem durante esta Semana, e a partir dela, nos muitos encontros e atividades, que se realizam no decorrer do ano, relacionados à vida e missão das famílias.

A Família, podemos afirmar em primeiro lugar, é a promotora da dignidade e felicidade das pessoas. Quando jovem, sempre ouvia de um tio muito querido uma história em que ele dizia, brincando, que à primeira vista a maior parte dos problemas que enfrentamos é gerada pela família: a difícil convivência entre pais e filhos, o relacionamento conjugal, o conflito das gerações, a manutenção do lar, a educação da prole etc. Entretanto, num olhar mais aprofundado não se pode negar, afirmava ele mais seriamente, as maiores alegrias também as encontramos na família: a alegria da paternidade e maternidade com a chegada dos filhos, a cumplicidade do casal que ao longo dos anos amadurece-os fazendo crescer na unidade de vida e de amor, a superação dos conflitos e a presença solidária que a Família oferece no momento em que cada um tem que enfrentar o sofrimento, a enfermidade e a morte.

Sim, a Família é Dom preciso e indispensável à nossa felicidade e a nossa realização! É nela que aprendemos a ser gente, e gente feliz! Por mais que queiram afirmar o contrário, até hoje nenhuma outra instituição foi capaz de fazer o que a Família faz! Há falhas, limites, contradições? Sem dúvida! Embora de natureza divina, a Família é uma realidade humana, histórica, e por isso passível de falhas e contrastes! Mas ninguém melhor do que a Família cumpre o papel de formar e educar para a vida. Investir na Família é assegurar uma sociedade mais feliz!

Há poucos dias, ouvia no noticiário de uma grande radio da cidade São Paulo que em alguns países, hoje, há um grande interesse em sustentar e apoiar projetos sociais, cujos recursos e custos ficam muito abaixo do que os despendidos em instituições de reeducação e correção, cujos efeitos nem sempre correspondem aos recursos aplicados. Por que não investir na Família, se os fatos comprovam que Família apoiada e equilibrada gera cidadãos de bem, capazes de manter a qualidade de vida da sociedade que vivemos?

Num outro dia, eu ouvia também alguém dizer que nas muitas vezes que esteve na Fundação Casa, que acolhe adolescentes e jovens infratores, nunca encontrou um jovem ali que tenha sido assistido pela Pastoral da Criança, ou seja, dificilmente alguém que tenha uma família constituída e amparada irá enveredar por caminhos do crime e da delinquência.

A Igreja não se cansa de dizer da importância da missão da Família no mundo de hoje! O Beato Papa João Paulo II já disse: “O futuro de humanidade passa pelo futuro da Família”!

Em junho passado, na sua visita à Croácia, o papa Bento XVI dedicou à Família um dos seus discursos, publicado pelo Jornal L’Osservatore Romano em 11 de  junho deste ano com o título: “Famílias abertas à vida recurso para o futuro”. Entre muitas afirmações importantes, o papa faz um grande apelo às famílias: “Mostrai com o vosso testemunho de vida que é possível amar, como Cristo, sem reservas, que não é preciso ter medo de assumir um compromisso com outra pessoa. Queridas famílias, alegrai-vos com a paternidade e a maternidade! A abertura à vida é sinal de abertura ao futuro, de confiança no futuro, tal como o respeito da moral natural, antes que mortificar a pessoa, liberta-a. O bem da Família é igualmente o bem da Igreja.”

Falar da importância da Família à sociedade é reconhecer que a convivência pacífica e harmoniosa entre nações, povos e indivíduos exige valorizar e investir na Família. Não são poucos os desafios que a família enfrenta e que dificulta a realização da sua missão: desde a mentalidade caracterizada por um nefasto relativismo que solapa convicções e compromete a sua harmonia e sustentabilidade, patrocinando formas estereotipadas de convivência, o controle da natalidade, a destruição de lares.

Merecem também a nossa atenção aquelas situações que colocam em risco a sobrevivência de muitas famílias: a falta de saneamento básico, o difícil acesso à escola, o numero reduzido de creches onde as famílias mais pobres podem colocar seus filhos, a fim de assegurar o acesso ao trabalho; as condições desumanas dos lares, muitas vezes construídos em locais de risco; a falta de assistência e acompanhamento médico e unidades hospitalares nos bairros mais pobres, a ausência de políticas publicas que garantam às famílias recursos para a geração de renda e preservação dos valores culturais e religiosos que possuem.

O empenho pela Família exige de nós também a consciência da responsabilidade da Igreja em formar verdadeiras famílias cristãs. E, certamente, esse será o contributo mais precioso que a Igreja pode oferecer à Família e à sociedade do nosso tempo. O papa Bento XVI no mesmo discurso, acima citado, diz: “Cada um bem sabe como a família cristã é um sinal especial da presença e do amor de Cristo e como está chamada a dar uma contribuição específica e insubstituível para a evangelização.”

Hoje, não são poucas as famílias que no interior da Igreja, através de muitas associações, movimentos e pastorais, procuram conhecer, crescer e vivenciar a sua fé. Elas, por sua vez, são o testemunho mais bonito da vitalidade da Igreja e, ao mesmo tempo, oferecem ao mundo o mais precioso serviço capaz de manter vivo o amor, fundado na verdade e na alegria de viver em comunhão!

Amemos nossas famílias! Delas depende nosso futuro! Elas são para nós um dos mais eloquentes testemunhos da esperança que, como diz o poeta, embora entre as irmãs fé e caridade seja a mais pequena é a que tem a força de arrastar consigo as irmãs que a acompanham!

Dom Milton Kenan Junior
Bispo Auxiliar de São Paulo
Vigário Episcopal para a Região Brasilândia